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Rubens
Espejo da Silva[1]
No
dia 11 de abril de 2019 por meio do Decreto N° 9.761, O Presidente da República,
Jair Bolsonaro, aprovou a “nova” Política Nacional sobre Drogas, substituindo a
estratégia de Redução de Danos pelo Paradigma da Abstinência. O foco da nova
política se dá na PROMOÇÃO e na MANUTENÇÃO da ABSTINÊNCIA (A palavra
abstinência aparece 7 vezes). O Governo Federal, ao produzir este Decreto trouxe
o que há de mais moderno em termos de atraso, a saber: o fortalecimento dos
atributos de guerra às drogas em detrimento à descriminalização e legalização.
Busca-se nas internações involuntárias em Comunidades Terapêuticas [2]a cura para os “drogados”;
no endurecimento ao combate ao tráfico, a solução para os “bandidos”, e assim
foi sancionada a PLC N° 37/2013, transformada na “nova” Lei sobre Drogas – Lei
13.840 de 05 de junho de 2019. Este tipo de Política Pública é muito mais do
que um “simples” retrocesso, ela é a exclusão da diversidade no cuidado às
pessoas que optaram por usar drogas. Ela é o que poderíamos chamar de produção
do GROTESCO. Gosto da definição do
Grotesco feita por Michel Foucault em “Os Anormais”:
Chamarei
de “grotesco” o fato, para um discurso ou para um indivíduo, de deter por
estatuto efeitos de poder de que sua qualidade intrínseca deveria privá-los. O
grotesco ou, se quiserem o “ubuesco”[3] não é simplesmente uma
categoria de injúrias, não é um epíteto injurioso, e eu não queria empregá-lo
neste sentido. Creio que existe uma categoria precisa; em todo caso,
dever-se-ia definir uma categoria precisa da análise histórico-política, que
seria a categoria do grotesco ou do ubuesco. O terror ubuesco, a soberania
grotesca ou, em termos mais austeros, a maximização dos efeitos do poder a
partir da desqualificação de quem os produz: isso, creio eu, não é um acidente
da história do poder, não é uma falha mecânica. Parece-me que é uma das
engrenagens que são parte inerente dos mecanismos de poder (Foucault, 2018,
p.11).
A produção do Grotesco é feita pelo
Presidente Ubuesco, ao qual, por meio do seu poder, impõe não propõe, pune não
acolhe, escolhe quem merece viver e quem morrer, - MAS E DÁI? - . Enfim, querem
privar as pessoas ao direito de uso, bem como a qual estratégia de cuidado
aderir, afinal para o Ubu e seus asseclas só existe o paradigma da Abstinência.
Penso sempre no exercício ético no cuidado
às pessoas que fazem uso de drogas, até porque sou uma delas - revolto-me com a
imposição da abstinência como Política Pública para todos -. Revolto-me com a
própria abstinência, nas palavras do historiador Henrique Carneiro (2019):
É
preciso lembrar sempre que a abstinência não é uma moderação, mas um excesso. É
preciso moderar ambos, tanto o excesso como a própria moderação. Um excesso
moderado, de qualquer forma, parece sempre melhor do que a moderação excessiva.
É preciso temperar a temperança e moderar a moderação, para não cometer um
paradoxo (p. 64).
A
abstinência é o excesso do não! Entendo a Redução de Danos não como
substitutiva das práticas tradicionais de internamento, mas sim um cuidado
complementar, que pode restituir a possibilidade de cuidado de si e de
circulação nos territórios. Não creio que devemos buscar a hegemonia de um tipo
único de cuidado, mas sim, diversidade, assim como preconizava Antonio Lancetti
(2014) – RD como ampliação da vida! - Acreditamos na RD não como uma
impossibilidade à abstinência, mas um dos modos de se chegar a ela, caso a
pessoa almeje tal triste meta.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.840, de 05 de junho de 2019.
Altera as Leis nos 11.343, de 23 de agosto de 2006, 7.560, de 19 de dezembro de
1986, 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 9.532, de 10 de dezembro de 1997,
8.981, de 20 de janeiro de 1995, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14
de setembro de 1993, 8.069, de 13 de julho de 1990, 9.394, de 20 de dezembro de
1996, e 9.503, de 23 de setembro de 1997, os Decretos-Lei nos 4.048, de 22 de
janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e 5.452, de 1º de maio de
1943, para dispor sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e
as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e para tratar do
financiamento das políticas sobre drogas DF: Imprensa Nacional, 06 jun. 2019.
Seção 1, p. 2. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13840.htm>.
Acesso em: 18 jun. 2019.
CARNEIRO,
Henrique. Drogas: A História do
proibicinismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
FOUCAULT,
Michel. Os Anormais: Curso dado no Collége de France (1974-1975). 2. ed.
São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2010
LANCETTI, Antonio. Clínica peripatética. São Paulo:
Hucitec, 2014.
[1]
Psicólogo
clínico, mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
[2] As comunidades terapêuticas já
foram denunciadas por diversas violações de direitos humanos. Ver dossiê
produzido pelo CFP - https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/06/Relat%C3%B3rio-da-Inspe%C3%A7%C3%A3o-Nacional-em-Comunidades-Terap%C3%AAuticas.pdf
[3] Segue as notas do livro Os
Anormais p. 25 para definição do adjetivo “ubuesco” foi introduzido em 1922, a
partir da peça de A. Jarry, Ubu roi, Paris, 1896. Ver Grand Larousse, VII,
1978, p. 6319: “Diz-se do que, por seu carater grotesco, absurdo ou caricato,
lembra o personagem Ubu”; Le Grande Robert, IX, 1985, p.573: “Que se assemelha
ao personagem Ubu Rei (por um caráter comicamente cruel, cínico e covarde ao
extremo).