Ana Paula Briguet [1]
Caty C. Fernandes Teodoro[2]
A Feira livre noturna acontece no Centro da
cidade de Barueri- SP, semanalmente às terças-feiras. É um espaço de alimentação, cheio de som, movimentado e colorido. Estende-se
ao evento, os arredores que incluem a praça dos estudantes e o estacionamento
do ginásio municipal. Nessas áreas
acontecem atividades de cultura e esporte tais como: a realização da Batalha de
Rima da Aldeia, o basquete de três, skate e manobras com bicicletas.
Em maio de 2017 o Ministério Público do Estado
de São Paulo através do Promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude,
convoca uma reunião ampliada integrantes da Rede intersetorial para discussão
da utilização desse espaço público pelos jovens e da preocupação como as cenas
de uso de álcool e outras drogas.
Assim, iniciamos com essa demanda que a
princípio não nos soou como de cuidado, mas de
“resolução” do incômodo causado pelo encontro e convivência de jovens na
Batalha de Rima e o uso de drogas. Mas, afinal, não temos que nos incomodar?
A contextualização da feira noturna fará todo
sentido para entendermos como nós, trabalhadores da saúde, junto com os jovens,
frequentadores e trabalhadores da feira, fomos constituindo ações de Redução de
Danos que tinham como objetivo a promoção do autocuidado e compartilhar o
máximo de informações possíveis sobre o uso de drogas.
Assim, criamos um grupo de trabalho,
representado pelas equipes do CAPS III Álcool e outras Drogas, CAPS II Infanto
Juvenil, Consultório na Rua e profissionais da Unidade Básica referência
daquele território e iniciamos com articulação da rede intersetorial,
mapeamento e territorialização do espaço da feira.
Encararmos a feira não apenas como um espaço
físico, mas como um território, singularizado, produto e produtor de
singularidades, isto é onde a subjetivação acontece.
Para realização
do mapeamento estiveram presentes os profissionais da equipe do Consultório na
Rua, do Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e outras drogas
(CAPS-ad/CRAD) e o Centro de Atenção Psicossocial Infantil Infanto Juvenil
(CAPSij). Foram realizadas visitas à Feira Noturna e seu entorno durante as
três primeiras semanas do mês de julho/2017, no período das 17h00 às 21h00 e
após 01 ano realizamos novo mapeamento em julho de 2018.
O
objetivo das ações in loco era a observação do espaço, das pessoas que a
frequentam incluindo os jovens e trabalhadores da feira, bem como o percurso
por elas realizado, utilizamos como metodologia a observação direta e um
roteiro norteador semi-estruturado para melhor compreensão e análise dos dados
obtidos. Para composição deste mapeamento, também foram realizadas reuniões
semanais do Grupo de Trabalho para discussão das observações, percepções e
elaboração de estratégias. Com os dados obtidos, fora composto um diagnóstico
situacional e, posteriormente, a construção de ações a fim de realizarmos o
cuidado de Promoção e Prevenção à saúde dos adolescentes e jovens.
Sobre o olhar da equipe
A Feira Noturna é um espaço de suma importância
para população, valorizada por todas as faixas etárias. Pareceu se configurar
para além de um local de aquisição de produtos, mas também como espaço de
encontro e socialização e que se tornou um ponto de referência para as pessoas
em Barueri e região. Especialmente sobre os adolescentes, notamos que eles se
utilizam da feira para se alimentar e depois se dirigem para a Praça dos
Estudantes ou local onde ocorre a Batalha de Rima- Batalha da Aldeia.
Os grupos se encontram a partir das 20h00 e
notamos o uso de bebida alcoólica, narguile e, em menor quantidade, maconha. Os
jovens se organizam em casais, pequenos grupos (de três a cinco pessoas) e
pouquíssimos grupos maiores (com mais de cinco pessoas). Há a presença de
ciclistas e skatistas percorrendo o espaço da praça, nas ruas e fazendo
manobras. Também entramos em contato com o Pronto Socorro Central para
identificarmos se havia diferença quanto a população que era atendida na
terça-feira, bem como as queixas iniciais. A equipe não identificou diferença
no fluxo de atendimento dos munícipes neste dia, tão pouco o aumento do número
de jovens para uso das dependências do Pronto Socorro.
Nesse sentido,
curiosamente o uso de drogas não apareceu como incômodo para os feirantes, nem
para as pessoas que circulavam na feira e tão pouco pela Guarda Municipal. Em
nossas “abordagens” ficava evidente o interesse das pessoas pelo local como
espaço de múltiplos encontros e lazer no período noturno.
As abordagens citadas em aspas representam a nossa
desconstrução nos encontros com os jovens, que associavam a abordagem ao campo
repressor e policialesco e não ao encontro e ao cuidado que propomos.
Decidimos
então, que adotaríamos uma estratégia ética de nos aproximar dos jovens e não
mais abordá-los. Em duplas ou em trios,
os profissionais foram se aproximando e propondo conversas a respeito da vida,
afetos, angústias e autocuidado, relações familiares e sobre o uso de drogas na
perspectiva da redução de riscos e danos. Os encontros eram finalizados com o
desejo de nos encontrarmos novamente deixando uma porta aberta nos serviços
CAPS, UBS ou na própria feira.
Desconstruímos e
construímos muitas ações. Experimentamos oficinas culturais e temáticas,
constituição de equipes ampliadas intersetoriais, parcerias com Serviço de
Atenção Especializado- SAE nas campanhas de teste rápido, Setembro Amarelo e
ações comunitárias com os organizadores Batalha de Rima.
Nesse processo
passamos a identificar a necessidade de garantia de uma permanência e o
reconhecimento por parte dos frequentadores da nossa presença e do nosso
vínculo com o território. Adotamos uma nova estratégia, um espaço físico fixo,
uma tenda. Um lugar onde teríamos um espaço acolhedor para quem quisesse estar
e nos encontrar ou para quem tivesse interesse em conhecer a nossa equipe e o
nosso trabalho. Espalhamos cadeiras de praia e almofadas no chão, mesinha com
água, chocolate, balas de hortelã, preservativos, insumos, folders dos serviços
e cartazes nas laterais e na frente da tenda com frases que pudessem despertar
olhares e aproximações. Além disso, ampliamos os encontros que passaram de
mensais para quinzenais.
Esse é um projeto que nos traz muitas
inquietações e desafios, nos questionamos muitas vezes a respeito de nossa
atuação na cena de uso dos jovens em espaço aberto de lazer. Não ocupamos o
lugar de resolução do incômodo, mas sim, de respeito a cultura do jovem,
trazendo, nos diferentes tipos de aproximação, a vida, a garantia dos direitos
dos jovens de pertencer, de ter acesso aos serviços de saúde e a ampliação do
repertório de atividades de cultura, lazer e arte.
Que possamos
estar sempre abertos aos encontros como nos diz Blanchot (2001, p. 63) que
encontrar é: “[...] tornear, dar a volta, rodear. Encontrar um canto é tornear
o movimento melódico, fazê-lo girar. ” É poder aproximar de suas inúmeras
formas de combinações, girar em torno de seus múltiplos movimentos e circular
por suas variações e arranjos.
[1] Terapeuta
Ocupacional, trabalhadora nos dispositivos: CAPS II, CAPS III, NASF e na Gestão
de serviços de Saúde Mental. Membro intercambiante SP. Mestrado em Psicologia
Clínica pela PUC/SP(2008), especialista em Saúde Mental pela UNIFESP(2008),
especialista em Saúde da Família pela UNIFESP( 2016), especialista em gestão do
SUS FIOCRUZ ( 2013).
Ana e Caty, parabéns pelo trabalho escrito e pela ação!
ResponderExcluirPensar é difícil mas fazer o que pensamos me parece mais difícil ainda.
Vcs fizeram e fizeram muito bem!
Minha admiração
Lurdinha Zemel